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A RÚSSIA DOS CZARES por Emanuel Vladimir Castro (parte 7)


Em 1894, a Rússia era um país em pleno desenvolvimento. Em trinta anos o império havia construído quase 48 mil quilômetros de ferrovias. Um feito admirável para a época. A produção industrial crescia assustadoramente. Lavradores migravam para trabalharem nas fabricas, transformando cidades provincianas em metrópoles urbanas. À medida que a Rússia era industrializada a classe operária surgia nas grandes cidades como Moscou, São Petersburgo e Kiev. E, ao mesmo tempo, ideias marxistas começavam a se fortalecer.


A capital, São Petersburgo, já tinha um milhão de pessoas, dentre as quais vivia um jovem advogado radical, Vladimir Ilyich Ulianov, Lênin. Como muitos revolucionários, Lênin fazia parte da elite culta da Rússia. Era filho de um inspetor de escolas. Em 1893, ele chegou à São Petersburgo para ajudar a organizar o Partido Socialista dos Trabalhadores. E chegou em um momento decisivo. Após 33 anos de repressão e expansão comercial, o Czar Alexandre III estava próximo do fim de seu reinado. No ano seguinte Alexandre faleceu, deixando a coroa para o filho de 26 anos, Nicolau Alexandrovich Romanov.

Desde a infância, Nicolau demonstrara pouco interesse em reinar. Nem seu pai reacionário, nem seus tutores conservadores o prepararam para lidar com as rápidas mudanças de um mundo industrializado. Temendo a complexa tarefa de liderar o maior império do mundo, Nicolau buscou apoio em sua esposa, a princesa alemã Alexandra, nome adotado quando da sua chegada a Rússia. Alexandra como seu marido não estava preparada para reinar.

Com a nação ainda em luto oficial pela morte de Alexandre III, Nicolau se casou. O povo comentava que a nova Czarina havia chegado atrás do caixão. Nicolau foi coroado em uma cerimônia cujo intuito era selar a união entre o Czar e seu povo. Mas ao invés disso, a opulência fez apenas salientar a distancia entre Nicolau e seus súditos. Após mais de 30 anos de industrialização forçada, a Rússia estava mais pobre do que nunca. Fabricas, minas e fazendas tornaram-se locais de manifestações e protestos. Radicais como o jovem Lênin fomentavam o descontentamento geral espalhando propaganda marxista e organizando grupos revolucionários. Em 1895, a policia do Czar contra-atacou. Lênin foi preso, condenado e mandado para a Sibéria. Após ser solto, Lênin fugiu para o ocidente. Mas, mesmo com o exílio, suas ideias radicais continuariam alimentando as chamas da revolução. Contudo, o Czar Nicolau continuava indiferente ao sofrimento do povo e ao crescente clamor por mudanças. E, sua ação mais ousada como supremo comandante russo, apenas faria aumentar a revolta. Na costa do pacifico, Nicolau pretendia tomar territórios na China e da Coréia. Mas, suas ambições imperiais conflitavam com os objetivos de outro império, o Japão. E, diante do avanço russo em 1904, o Império do Sol Nascente declarou guerra. A ferrovia transiberiana possibilitava ao Czar levar as tropas à cena do conflito. Mas, as metralhadoras e táticas bélicas japonesas, infligiram inúmeras baixas aos russos.

Como apoio ao exercito, Nicolau reuniu uma frota de trezentos navios e enviou-a para o mar do Japão. Seria uma longa viagem de 33 mil quilômetros. Em maio de 1905, após 8 meses de privações, revoltas e doença, os navios russos chegaram ao seu destino. Mas, os japoneses os esperavam. Com navios mais velozes e armas melhores, em uma única batalha os japoneses afundaram 2/3 da frota russa. Em São Petersburgo, as noticias do desastre naval, chegariam em meio a rebeliões populares; 1905 seria um ano de revolução.

Em agosto de 1904, Nicolau e Alexandra celebram o nascimento do quinto filho do casal. Após 10 anos e quatro filhas, finalmente nascia o herdeiro do trono, Alexis. Nascer na família real russa do século XX, significava ser ao mesmo tempo abençoado e amaldiçoado. Abençoado com uma vida de luxos e amaldiçoado pela história. Mas, desde a infância, Alexis tinha problemas de saúde; os médicos logo constataram o pior. O bebê tinha hemofilia, uma doença fatal. Não havia tratamento adequado para o mal e a maioria de suas vitimas morria na infância. A doença de Alexis era a maldição da família Romanov. Se o herdeiro morresse, o império passaria por uma crise de sucessão, em uma época que o prestigio do Czar já estava abalado. Mas, para o povo russo, a dinastia Romanov já era considerada frágil e incapaz de resolver os problemas.


No outono de 1904 houve grande inflação. No inverno, fome e miséria. As noticias das derrotas na guerra contra o Japão abalaram, a crença popular na capacidade do Czar. No domingo, 09 de janeiro de 1905, uma multidão marchou em direção ao palácio de Inverno. Eram trabalhadores, estudantes e sacerdotes. Levavam consigo, um documento assinado por mais de 100.000 pessoas. Pediam ao Czar um governo representativo, liberdade de expressão, direitos para os trabalhadores e paz com o Japão. Os manifestantes recusaram-se a partir sem entregar a petição ao Czar. Mas Nicolau estava viajando com a família. E a resposta da guarda real aos protestos foi brutal. As autoridades do palácio afirmaram que menos de cem pessoas haviam morrido. Os manifestantes estimaram em mais de mil o número de mortos. Seja como for, o domingo sangrento serviu como estopim para uma onda de rebeliões. No verão, rebeliões haviam paralisado fabricas e fazendas em toda a Rússia. Grupos revolucionários lutavam pelo poder em 50 cidades. Homens armados ameaçavam destruir qualquer fabrica que permanecesse aberta. Diante da iminência de uma guerra civil, o Czar avaliava suas opções.

Em outubro de 1905, o Czar aceitou a realidade. O manifesto de outubro garantiu direitos civis e uma assembleia eleita, a DUMA. Nicolau foi forçado a fazer certas concessões. Mas tudo isso foi feito sob muita pressão. Nicolau odiava os partidos políticos e a DUMA. Odiava a Constituição que era obrigado a reconhecer. E em muitos casos, ignorava tudo isso.

Em maio de 1906, a nova DUMA exigiu reformas radicais. Nicolau respondeu dissolvendo a assembleia. Só após quatro anos protelando a realização de eleições, o Czar conseguiu em fim que a DUMA fosse formada por conservadores.

Em meio a todo o tumulto político, a maior preocupação de Nicolau e Alexandra era o filho Alexis.

A hemofilia diariamente ameaçava a vida do menino. E a Imperatriz rezava por um milagre, e um amigo lhe trouxe um curandeiro. Um místico hipnotizador siberiano Gregori Rasputin. Durante anos ele tratou e cuidou do menino, sempre quando de suas crises. Vendo seu filho salvo Alexandra se escravizou a Rasputin. Ele conquistara seu espaço na elite, mas seu lado sombrio escandalizou a conservadora sociedade de São Petersburgo. Rasputin tinha duas faces. Para Imperatriz, era um Deus. Mas para os outros, Rasputin era um devasso. Ele era o câncer da família Romanov.

Em 1913, o império celebrou 300 anos sob o reinado da família Romanov. Uma das mais longas dinastias da história da Europa. Mas a autoridade do czar começava a fraquejar. No de verão 1914, o prestígio do Czar estava a beira do abismo. Então a Europa explodiu.

Primeira guerra mundial. Rússia, Áustria e Hungria combatem pela Servia. Em poucos dias a Alemanha, Grã Bretanha, Turquia e a França, todos impérios europeus, envolvem-se no conflito. Por um momento, as diferenças que dividiam a Rússia foram esquecidas e radicais revolucionários, czaristas, trabalhadores e nobres, como em gerações anteriores, uniram-se para salvar o império, formando um exercito de 15 milhões de homens. Em dois anos e meio, mais da metade deste total foi perdido. Oito milhões de homens feridos, capturados ou mortos. No verão de 1915, com o império correndo perigo, Nicolau se dirigiu à linha de frente. As grandes perdas na guerra e fome estavam deixando descontente o povo russo e seus lideres. A chama da revolução ardia novamente. A mensagem de Lênin era: “Paz, terra e pão.” E ela de fato ecoou entre o povo russo. A revolução russa era eminente.

Em uma noite de dezembro de 1916, infame Rasputin saiu cambaleante de uma festa particular. A prejudicial influência dele, sobre a imperatriz, havia enfurecido até os mais leais czaristas. Para salvar o Czar, o príncipe Felix Yusupov e alguns correligionários resolveram tirar o místico de cena. Felix convidou Rasputin a uma ceia a meia noite em seu palácio. Na ceia, foi servido vinho e antepasto envenenados, o suficiente para matar 5 homens, disse Yusupov. Mas Rasputin, era um homem enorme e não fora afetado pelo veneno. Quando ficou óbvio que o veneno não funcionaria, decidiram atirar nele. Rasputin ainda não morrera e eles atiram mais vezes. Rasputin era um homem tenaz. Então, levaram-no ao rio Neva, fizeram um buraco no gelo e lá o puseram. Três dias depois o corpo de Rasputin reapareceu na superfície do gelado rio Neva. Quando encontraram o corpo, havia água em seus pulmões, indicio de que ele estava vivo quando o jogaram na água.

A morte de Rasputin desolou a imperatriz. Alexandra considerou-a uma sentença de morte para seu filho e para a dinastia. Mas, os czaristas e os reformistas, ficaram felizes.

Fevereiro de 1917, com milhares de homens na frente de batalha, a economia russa estava debilitada. A inflação havia desvalorizado o rublo. Comida e combustível escasseavam. A fome não demorou a chegar. E, em 23 de fevereiro, a fome virou revolta. O fim do império veio rápido. Nicolau perdeu o apoio do exercito, da policia e de toda a sociedade erudita. Não há governo sem exercito e força policial leais. Quando o exercito abandonou o Czar, a anarquia deu espaço à revolução.

Em 27 de fevereiro, Nicolau tomou o trem imperial para voltar para casa e proteger sua família e a coroa. Mas, trabalhadores cercaram o expresso antes que o Czar chegasse a São Petersburgo. Em primeiro de março de 1917, acuado em um vagão, Nicolau II recebeu um ultimato da DUMA. Para salvar a nação, os legisladores exigiam a renuncia do Czar, com todos os poderes sendo concedidos a DUMA. O que, para Nicolau, seria um sacrilégio. O destino do império, seus 1000 anos de história, estavam nas mãos de Nicolau. Desesperado para preservar a monarquia, o Czar tentou passar o trono para seu filho de 12 anos, Alexis. Mas, com certeza, isso representaria uma sentença de morte para o garoto. Então, Nicolau decidiu passar o poder para seu irmão, mas com a vida em perigo, ele recusou a coroa. Após 300 anos, a dinastia Romanov, ultima monarquia absoluta da história europeia, caiu.

Um mês depois, outro trem chegaria a São Petersburgo. Em um compartimento fechado, ele carregava o futuro da Rússia.

Após quase 20 anos de exílio, o profeta do paraíso dos operários, Lênin, voltava a casa. Em outubro, discípulos bolcheviques de Lênin, abalariam a DUMA. A revolução de fevereiro havia iniciado um golpe Comunista. E logo a Rússia saltaria da primeira guerra mundial para uma sangrenta guerra civil.

Prisioneiros no próprio palácio imperial, o Czar e sua família mantiveram-se unidos. As garotas, Olga, Tatiana, Maria e Anastácia, que antes eram colírios para os olhos dos oficiais, aprenderam a viver com simplicidade. O herdeiro, Alexis, também continuou perto dos pais. A família que havia controlado a Rússia passara a ser refém em meio a lutas políticas. E os bolcheviques enviaram o Czar e sua família para a Sibéria, como se fossem escravos. Em julho de 1918, Nicolau e sua família haviam sido aprisionados em uma casa modesta nos Urais. Então, novas ordens de Lênin chegaram de Moscou. A família, acordada no meio da noite, recebe a noticia de que seria transportada para outra casa. Todos já haviam se acostumado a viagens repentinas. Sob as roupas das garotas, diamantes, esmeraldas e pérolas. As joias da família Romanov. No porão, o grupo recebe a mensagem de que deve posar para uma foto de família. Mas não havia fotógrafos no recinto, apenas soldados do exercito vermelho e uma sentença de morte enviada pelo governo de Lênin. A execução da família real foi a forma de por fim a qualquer resistência ao governo instaurado. Após o fuzilamento, os corpos foram encharcados em acido e queimados. A linhagem real reduzida a cinzas. Não havia sobreviventes. Não havia possibilidade de restaurar a dinastia.

Lênin anunciava um futuro brilhante. Mas quando os novos lideres russos consolidaram-se no poder, os fantasmas do czarismo ressurgiram. Como fizera Catarina – a grande; eles tomaram o poder com um golpe e mataram o odiado Czar para legitimar um novo regime. Como Ivan – o terrível, passaram a usar o terror e o exílio para conter as massas. Como Pedro – o grande, sonharam com o renascimento da Rússia através de eternas reformas. Mas, apesar de tudo, o império deixou legados muito mais importantes. Legados adorados por todos os russos. Obras esplendorosas, o sentimento de patriotismo e o cristianismo ortodoxo, que sempre esteve ligado à identidade e à história do país. Hoje, anos após o fim da União Soviética, a Rússia vive em uma nova era de sua história. É uma nação profundamente orgulhosa e de muitas contradições. No ano 2000, a igreja ortodoxia russa canonizou novos santos: a última família imperial - quatro meninas, um menino, a mãe e o pai, Nicolau Alexandrovich Romanov. O último Imperador Russo. O último Czar.

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